Uma laranja US$ 2

Parte 4 – Gogrial, 17 de julho de 2012

Já faz um mês que cheguei a Gogrial.

Não posso deixar de dizer que, por mais difícil que seja, é uma experiência muito interessante. Agora somos 19 pessoas no mesmo espaço. Claro que temos nossas diferenças, e ser humano é ser humano em qualquer lugar: sempre tem aqueles que chegam primeiro, comem o que podem e não pensam que tem mais gente para comer.

Felizmente, estou fazendo amizades. Brinco que montamos um clube da Luluzinha: sou eu, a italiana (obstetra), a belga (promotora de saúde), a menina das ilhas Maurício (administradora) e antes era a enfermeira da Suécia agora é a sua substituta, uma inglesa, que também é vegetariana.

É muito legal porque tentamos “cuidar” umas das outras. Agora, estamos guardando comida. A primeira que chega guarda para as outras e, se por acaso, chegamos todas tarde e não tem mais nada para comer, a italiana trouxe um estoque de “pasta” e cozinha para nós. Uma corta a cebola, a outra pega a panela. Enfim, todo mundo ajuda e papeamos para reclamar da equipe nacional, que não é fácil.

Na semana passada, fui conhecer nossa clínica para tratamento de desnutrição, que fica a uma hora daqui – ainda não me habituei com essa história de poder andar a pé, de ir para outras cidades. É tão diferente do Níger! – Fiquei impressionada.

Chegamos às 8h00 e as mães já estavam do lado de fora, em fila, esperando abrir, com um monte de crianças. O circuito é o seguinte: as crianças entram e fazem o teste da fitinha no bracinho (MUAC). Se der vermelho, elas são pesadas e medidas, passam pelo posto de vacinação e teste de malária e depois pelo teste de apetite e, se têm alguma queixa, passam pelo clínico. Fiquei impressionada ao ver aquelas crianças devorando o sachê de Plumpy Nut (PPN) – pasta à base de amendoim utilizada como alimento terapêutico para tratar a desnutrição. Agora entendi porque um dos critérios para internação é recusar o PPN; tem que estar muito doente mesmo. Depois de tudo isso, elas vão para a fila para pegar o PPN para a próxima semana e aí eles marcam a mãozinha da criança, porque tem mãe que tenta passar várias vezes a mesma criança pelo processo dando nome diferente. Não posso culpá-las, porque em um país onde uma laranja custa US$ 2, é preciso tentar sobreviver.

Claro que eu não podia me livrar da malária e chegaram duas crianças em estado grave ao mesmo tempo. Teste de malária positivo, enfiamos no carro e lá vim eu com elas, rezando para que chegassem vivas, porque não tinha absolutamente nada no carro, nem na nossa clínica, que, teoricamente, é só para nutrição. Além disso, no meio do caminho, um homem parou nosso carro no meio da estrada e pediu para trazermos uma terceira criança que estava muito doente. Uma delas morreu na mesma tarde, uma hora depois, e as outras duas saíram superbem da clínica, dois dias depois. Pelo menos, conseguimos salvar 66% delas, que até que não foi um número tão ruim. O mais recompensador é dar a alta, ver a carinha daquelas crianças quase mortas e dois dias depois correndo pela enfermaria. Se não fosse pela clínica de MSF, essas mães teriam andando dois dias até chegar ao hospital, quando provavelmente seria tarde demais. Nessas horas esqueço todas as dificuldades que temos aqui e me lembro do por que estou em Gogrial.

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