Um descanso cheio de reflexões

Gogrial, 12 de agosto de 2012

Finalmente, desde que cheguei aqui, tive um final de semana inteiro livre! Posso dizer que realmente descansei.

Sábado, o cirurgião estava de plantão e hoje foi a vez do anestesista. Ontem, pela primeira vez, desliguei o meu rádio e decidi descansar. Soube que eles me chamaram, mas eu não estava em “casa”; fui para Wau, uma cidade a três horas daqui. Foi muito boa a sensação de não ouvir meu nome no rádio por mais de 12 horas. Eles me chamam o tempo todo; acho que escuto meu nome no rádio mais de 100 vezes por dia: “Rachel for IPD” (hospital), “Rachel for ER” (OS – pronto socorro), “Rachel for OPD” (ambulatórios), “Rachel for ITFC” (enfermaria de desnutridos), “Rachel for maternity” (maternidade)… Até as  cozinheiras já estão me gozando. Quando chego na cozinha elas começam “Rachel for IPD”…  Sempre temos um clínico em cada serviço, mas o problema é que eles são como alunos. Os “comunity health workers” são como alunos do terceiro ano e os “clinical officers” como alunos do sexto ano. Ou seja, sempre necessitam de supervisão. Enfim, experimentei uma sensação boa de paz este final de semana.

Como disse, ontem fui para Wau, no estado vizinho. São menos de 60 km, mas, como é estrada de terra, demora três horas para chegar lá. Fiquei impressionada com o tamanho da cidade, supergrande se comparada com Gogrial, e podemos encontrar várias coisas lá. Todo o clube da Luluzinha estava presente, as cinco meninas. Compramos comida para o time e também fomos ao mercado e compramos vestidos e esmaltes. Conseguimos comprar vegetais e frutas, perfeito para mim e para a inglesa, que também é vegetariana. Sei que passei nove meses no Níger restrita a duas ruas (casa-hospital-escritório-casa) e dentro de um carro, mas tive a impressão de que o comércio aqui é muito mais desenvolvido do que no Níger, porque lá não conseguíamos encontrar quase nada e ontem, em Wau, compramos chocolates (do Iêmen) e um suco de goiaba delicioso (da Arábia Saudita). No mercado há uma infinidade de coisas vindas da China.

Almoçamos num restaurante de verdade na beira do rio, com piscina, pena que não deu tempo para um mergulho. Comemos pizza, o que é muito luxo por aqui, e senti a real dimensão da nossa riqueza, quando comparamos com a vida local. No mercado, podemos comprar chapati, que é uma espécie de pão como o pão sírio, e feijões por 3 pounds sudaneses e ontem gastei no almoço no restaurante 52 pounds sudaneses. Apesar de todas as dificuldades que passamos por aqui, somos muito ricos perto da população. Sei que no Brasil também temos muita desigualdade, mas, por aqui, somos realmente uma minoria.

Enfim, sei que aproveitamos muito. É muito legal ir num mercado a céu aberto, como uma feira mas com muito mais coisa e o mais legal é poder pechinchar – esta é a melhor parte da compra para mim. Pelo menos para esta semana estou munida de frutas e vegetais.

Hoje fui correr. Fazia duas semanas que não corria e fiquei impressionada com o poder da chuva por aqui. O rio está completamente cheio e toda a plantação está crescendo. Perto daqui tem um milharal e é impressionante o tamanho que fica a “mata” em tão pouco tempo.

Tive sorte de chegar aqui na época das chuvas, porque está realmente muito agradável. A temperatura é, em média, uns 35 graus, mas, quando chove, cai para uns 20-25 graus. Tem chovido quase todas as noites e é tão gostoso dormir com o barulho da chuva (tá certo que às vezes dá medo das tempestades) e cobrir o corpo com um cobertorzinho de madrugada. Por outro lado, tem cada inseto bizarro, de todas as formas, cores e tamanhos, muitos apavorantes, além de sapos de montão. Outro dia estava comentando com as meninas que quando cheguei e vi os insetos nos chuveiros quis sair correndo. Depois me acostumei. Na hora de se enxugar, no entanto, tem que dar aquela sacudida básica na toalha para tirar os insetos, o que é terrível, e que para mim já se tornou normal. Realmente a gente se acostuma com tudo nesta vida…

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