Administrador brasileiro fala sobre projeto no RDC

Em sua segunda missão, Samuel Oliveira passou um ano trabalhando em um dos maiores programas de Médicos Sem Fronteiras

Após uma década de guerras sem intervalos, a República Democrática do Congo tenta, aos poucos, restabelecer suas atividades econômicas e melhorar as condições de vida no país. Há 12 anos na região, Médicos Sem Fronteiras (MSF) vem dando assistência médica à população no que vem a ser um dos maiores projetos da organização. A assistência é feita através de programas que incluem campanha de vacinação contra sarampo e tratamentos para doenças infecto-contagiosas como cólera, ebola e até mesmo HIV/Aids.

Recrutado por Médicos Sem Fronteiras (MSF) em 2006, o administrador Samuel Oliveira, 27 anos, foi enviado em sua missão para o país, onde trabalhou como administrador. Nesta entrevista, ele fala um pouco sobre o projeto e a experiência de exercer uma função administrativa dentro de uma organização médica.

Você chegou na República Democrática do Congo durante uma situação calma e ao longo da missão começou a guerra. O que mudou em sua rotina após o inicio do conflito?
Oliveira – Quando cheguei o conflito já existia, mas não tão forte. Depois, o nosso contexto de segurança ficou mais sensível, as nossas saídas e operações foram reduzidas. A população estava bem descontente com a ONU, e pela falta de informação, às vezes confundem a MSF com a ONU, esse era o nosso maior medo.

Como é trabalhar em meio a uma guerra?
Oliveira – Nossa base era principalmente de suporte para as equipes de clínica móvel. Elas, sim, ficavam em meio à guerra. Nós recebemos tanto os refugiados quanto os relatos deles e é muito triste. Outra coisa difícil é atender o pai que viu o filho ser torturado, jovens que perderam os pais, entre outras coisas. Ao mesmo tempo que você se sente meio egoísta, por estar seguro já que não é interessante atacar a gente, você quer ajudar de alguma forma aquelas pessoas.

As histórias te atrapalhavam, emocionalmente, para trabalhar?
Oliveira – Eu tento fazer as histórias não me abalarem, mas acho que acaba abalando. Tento sempre ser muito imparcial nas decisões que devo tomar. Fazer o que é justo para os dois lados da questão, e os relatos podem abalar, sim. Sempre que isso acontece, espero ir para casa para sofrer sozinho, mas busco não deixar o emocional influenciar no meu trabalho.

Você teve a oportunidade de observar as duas bases de operação do Congo, tanto em Kinshasa como em Lubumbashi. Quais as principais diferenças em termos de viabilidade de trabalho, modo de agir e estrutura existentes entre esses dois lugares?
Oliveira – Acho que as diferenças principais são as questões operacionais: da onde que sai e para onde vai. No meu caso, trabalhei tanto na parte de enviar quanto de receber ajuda. Agora a minha experiência é maior em receber recursos para prestar ajuda, mas eu quero ter também a experiência inversa. Poder mandar os recursos e ser o principal contato entre o terreno e a sede de MSF em Bruxelas.

Em seu diário você fala sobre as condições precárias do país, como e quanto essas dificuldades atrapalham o trabalho de vocês?
Oliveira – O lado financeiro é complicado. Com a questão da inflação temos sempre que atualizar os cálculos, tem a escassez da moeda também. O lado operacional também, devido ao caos aéreo e às péssimas condições das estradas. No Congo há muito acidente aéreo. Mas o principal é o contexto de guerra que traz uma instabilidade financeira, política e de segurança, é claro.

MSF realizou no Congo uma campanha de vacinação contra sarampo. Em que sentido você, como administrador, deu suporte para este programa?
Oliveira – Ficava a cargo da minha equipe a parte de contratação, elaboração de salários e orçamentos e gestão de operações. Ou seja: onde vai fazer intervenção? Com quais recursos? Que materiais serão utilizados? É interessante entender que MSF funciona como uma empresa "normal". O importante é se preocupar com a entrada de recursos e o resultado final, que no caso de MSF são os pacientes, o bem-estar deles, saber empregar bem os recursos que recebemos.

Você acha que uma organização como Médicos Sem Fronteiras deve se preocupar tanto em ter profissionais qualificados de outras áreas quanto em ter médicos?
Oliveira – O processo seletivo de MSF hoje em dia não é fácil. É complicado ser aprovado e entrar. Mas é altamente justificável porque MSF busca excelência, que se consegue com uma estrutura forte e excelentes profissionais. Acho que deve se preocupar com profissinais de outras áreas tanto quanto os médicos, porque assim como os médicos se preocupam com a área médica, os administradores tem que se preocupar com toda parte de recursos humanos, a logística também tem suas preocupações. São todos a mesma coisa, fazem parte do mesmo conjunto. È isso, é preciso buscar sempre qualidade de serviço e qualidade de atendimento.

Apesar de estarem trabalhando numa campanha de vacinação contra o sarampo, surgiram casos não confirmados de ebola e cólera durante o projeto. Como agir em uma situação dessas? Quais medidas devem ser tomadas?
Oliveira – Eu estava preparado para isso já. A base tinha um time já para esse tipo de emergências. Quando acontece isso, uma situação de perigo, tentamos conciliar as duas operações, mas sempre se concentrando mais naquela epidemia que é a que mata mais rápido. Sem, claro, parar com as operações de longo prazo, porque elas vão ser importantes de qualquer maneira.

Você tinha contato com os outros brasileiros que estavam trabalhando no mesmo projeto? Dava para encontrar com eles, conviver?
Oliveira – Sim, tinha regularmente. Era ótimo poder falar um pouco de português, até para trabalhar. O francês e o inglês não são a minha primeira língua, e não tenho a mesma desenvoltura. Você tem que se esforçar mais para entender, então falar a sua própria lingua é ótimo.

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