A médica Rachel Esteves enfrenta o período de pico da malária no Níger

Parte 2- Guidam Roumdji, 18 de Novembro de 2011
 
Desde que cheguei aqui tenho escutado sobre o período de pico da malária, que começa em agosto e vai até novembro. E é impressionante, como isso é verdade.
Semana passada (última de outubro) os casos de malária aumentaram uns 300%. Os carros de MSF chegam cheios de crianças graves por causa da malária. As mães deixam as crianças em casa, três, quatro dias com febre e só vão ao Crenas quando elas convulsionam ou entram em coma. Não me lembro de ter visto malária nem na faculdade, mas posso dizer que é uma doença horrível. As crianças chegam comatosas, anêmicas (hemoglobinas de dois, três… quando o normal é 12), com hipoglicemia e, às vezes, em choque hipovolêmico e com edema agudo de pulmão, tudo isso ao mesmo tempo. Cerca de 80% das crianças que chegam já estão com acometimento cerebral e anemia severa.
Aproximadamente 20% dessas crianças são graves e algumas já chegam mortas à admissão, não resistem à espera para serem levadas ao CRENAS e à viagem até o hospital e morrem no caminho.

O bom, é que dessas 80% com neuromalária, 90% melhora após 24 horas de tratamento. O critério para sair dos Cuidados Intensivos é: a criança sentou, pode ser transferida. Infelizmente restam as crianças com sequela neurológica, que ficam semanas, até acabarem por morrer ou até a mãe se cansar e ir embora do hospital.

A ocupação do hospital em outubro foi de dois a três crianças por leito nos Cuidados Intensivos, na fase um e na pediatria.
No mês passado (setembro) trabalhei, vários dias nos cuidados intensivos, duas a três crianças por leito, mais da metade recebendo transfusão de sangue, algumas em coma e algumas com outras doenças como pneumonia.

Todos os dias morreram pelo menos três crianças durante o dia, todas com menos de 24 horas de hospitalização, algumas após 15 minutos de chegada. O mais difícil é a decisão de parar a ventilação. Na maioria das vezes, o que acontece é a parada respiratória, mas o coração continua funcionando. Não temos nada além do ambu e do concentrador de oxigênio para tirá-las da parada respiratória, assim, quando paramos a ventilação, alguns minutos depois, elas morrem.
É horrível ver as mães pegarem os corpinhos dos seus filhos colocarem nas costas e irem embora.

Mas o trabalho em geral é muito recompensador, as carinhas das crianças são irresistíveis. E ver a evolução delas realmente não tem preço. Tem um pequeno que está internado há mais de um mês, ele chegou quase morto, 20 meses e 5 quilos, desidratado e séptico. Nós começamos o tratamento com antibióticos e depois fizemos o score para tuberculose e começamos o tratamento. Agora ele é outra criança, tem bochechinhas, é a coisa mais fofa.
Sem falar no agradecimento das mães quando damos alta para seus filhos, isso não tem preço.

Enfim, estou em um mundo muito diferente do nosso amado Brasil, mas é uma experiência enriquecedora poder contribuir para a saúde dessas crianças que, não fosse por MSF, não teriam acesso a nenhum tratamento de saúde.

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