Mães que vivem com HIV em Serra Leoa – Parte 2

A médica Ana Paula Cavalheiro fala sobre a dificuldade de tomar decisões quando tudo é urgente

Mães que vivem com HIV em Serra Leoa – Parte 2

Pequenas ações, grandes resultados.
Ao chegar em Serra Leoa, minha primeiríssima impressão foi um sentimento de conexão com o Brasil! Faz tanto tempo que não vou à praia! E em Freetown, a capital, o aeroporto é em uma ilha. Então, logo depois de sair do avião, pude ver as palmeiras, sentir o calor e a brisa no rosto, o cheiro do mar e o barulhinho das ondas. Me senti imediatamente transportada para uma praia do nordeste!  E isso foi ótimo para me fazer relaxar e diminuir a ansiedade que sentia pelo trabalho que estava por vir.

Fiquei impressionada também com a força de vontade do povo de Serra Leoa, com o quanto eles estão comprometidos em melhorar o país, a trabalhar para superar as dificuldades. É palpável o desejo de deixar para trás os traumas da epidemia e da guerra – as pessoas realmente querem fazer a sua parte para que isso aconteça. E são todos muito amigáveis e abertos.

Pessoalmente, uma das maiores dificuldades foi o calor! Magburaka é tão quente e úmida! E, é claro, sempre tem o choque de realidade. Atualmente moro na Inglaterra, então sair de uma cidade em que se tem de tudo para um lugar onde algumas coisas se tornam, gradativamente, mais escassas (da capital Freetown, para a cidade de Magburaka e então para os pequenos vilarejos na zona rural), sempre provoca em mim uma reflexão e aumenta a vontade de fazer a minha parte para que a oferta de saúde nessas comunidades melhore.

Do ponto de vista profissional, é tanta coisa importante que precisa ser feita, que é difícil priorizar. O que é mais essencial? Os nossos recursos humanos e financeiros são limitados, então não se pode querer começar tudo ao mesmo tempo e acreditar que vai dar certo. Escolher quais atividades serão feitas primeiro, por serem absolutamente essenciais – por exemplo, aumentar a testagem e melhorar a qualidade dos diagnósticos nas gestantes – e aceitar que algumas coisas, por mais importantes que sejam, terão que ser feitas depois, como realizar campanhas nas comunidades para educar sobre o HIV. São decisões difíceis, pois tudo é urgente.

Os benefícios para a população são imensos! MSF oferece atendimento, medicamentos e mantém um sistema de ambulância para transportar as gestantes que têm um parto complicado até o centro de referência. E isso salva muitas vidas! Outra importante maneira de ajudar é trabalhar em conjunto com o Ministério da Saúde.  Estamos capacitando os profissionais locais, treinando-os nas práticas mais eficientes para atender a população. A ideia é que esse conhecimento seja uma das mudanças duradouras que MSF deixará na região, mesmo quando não estivermos mais lá.

Durante o meu período em Magburaka, iniciamos o aconselhamento e a testagem para HIV na sala de atendimento pré-natal e na sala de parto em um centro de saúde que é referência para casos complicados na região. No segundo ou terceiro dia foi feito o primeiro diagnóstico em uma gestante. Apesar de ser uma notícia difícil de ouvir, ela recebeu as orientações necessárias, incluindo informações sobre a proteção que os medicamentos oferecem para a criança, e decidiu começar o tratamento no mesmo dia. Foi apenas o primeiro passo. Há uma longa jornada, tanto para essa família quanto para as equipes de saúde. Mas traz otimismo saber que estamos indo na direção certa.

Uma coisa que me surpreendeu foi como as pessoas associam MSF à ajuda crucial que receberam durante a epidemia de Ebola. Mesmo mais de dois anos depois do fim da crise, as pessoas mostram muita gratidão. Elas chegam a nos parar na rua para dizer obrigado ao ver a camiseta de MSF. Isso me surpreende e me enche de orgulho fazer parte da organização.
 

Leia aqui a primeira parte deste diário de bordo.
 

 

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