A convicção de que se está no lugar certo

Karina Teixeira conta como foi chegar para trabalhar no Chade no final de 2015

A convicção de que se está no lugar certo

No dia 24 de dezembro de 2015, às 19h, desembarquei em N’Djamena, capital do Chade. Era véspera de Natal, cheguei direto para a ceia improvisada que os outros profissionais internacionais organizaram. Fui recebida com muito carinho. Acho que quando estamos longe de todos, especialmente nessa época, tentamos ser um para o outro a família que não está lá. Liguei rapidamente para minha família no Rio de Janeiro, disse que estava tudo bem e que estava feliz de estar ali. Por mais que em dias como esses o coração aperte um pouco mais que o normal, também nos ajuda na convicção de que estamos onde deveríamos estar.

Depois de alguns dias começou minha jornada rumo ao projeto de Baga Sola, onde fui administradora e também encarregada das finanças e dos recursos humanos. Depois de desembarcar em Bol, pelo caminho de mais de duas horas de carro em meio ao deserto, observei os milhares de deslocados internos com suas cabanas improvisadas. Quanto mais avançávamos, mais eu pensava nas dificuldades daquelas pessoas que tanto precisam de nós. Logo, uma frase que li quando cheguei ao Chade me veio à cabeça: “Descobrimos onde as condições são as piores, onde os outros não estão chegando, e é lá que queremos estar”.

Ataques de grupos armados na Nigéria, em janeiro de 2015, fizeram com que muitas pessoas deixassem seu país rumo às nações vizinhas, como o Chade. O campo de refugiados de Dar es Salam foi estabelecido nessa época e, em março, começamos a trabalhar ali. Eram diversas as atividades desenvolvidas no projeto de Baga Sola: no campo de Dar Es Salam, oferecíamos atendimento psicológico aos refugiados; nas regiões de Fourkouloum, Koulkime e Kolom, operávamos clínicas móveis; e nos centros de saúde de Tchoukoutalia oferecíamos apoio ao Ministério da Saúde, com a oferta de treinamentos e doações de medicamentos. Também distribuímos itens não alimentares, como cobertores, lonas plásticas e mosquiteiros, além de um kit para tratamento de água.

No fim de janeiro, participei do planejamento da próxima atividade de distribuição em Fourkouloum. Para tudo aquilo que fazíamos tínhamos o apoio dos líderes das comunidades, que nos ajudavam a conhecer o contexto e coletar dados. Atravessamos o acampamento de carro e foi incrível ver o impacto de nossas atividades: como eu havia participado de distribuições de itens essenciais ao longo de janeiro, pude ver cabanas que haviam sido feitas com a lona que entregamos.

Nos olhos das crianças, a pureza, o sorriso que recebe o desconhecido. A vontade de encostar, de entender o que está acontecendo. Talvez muitas delas não tenham conhecido a violência de perto. Se pudéssemos, tenho certeza de que as conservaríamos assim. Fazemos o nosso possível, que é garantir que sobrevivam – seja ao frio, às doenças ou a traumas.

Um dia, fui à capital para algumas reuniões. No avião, uma paciente de quatro anos que estava sendo transferida para um hospital nos acompanhava. Desci com ela em meus braços, segurando forte para que não caísse e não sentisse dor. Senti um misto de responsabilidade e orgulho. Sou parte de uma organização que trabalha para transmitir esta sensação: “não se preocupe, você está seguro, vamos cuidar de você.”
 

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